Ansiedade em tempos de crise: Como regular o nosso sistema nervoso através da respiração e prática somática?
Vivemos tempos conturbados. Depois de uma pandemia que abalou a estrutura da nossa sociedade, lidamos com o aumento do custo de vida e inflação, crise política e social, muita instabilidade e mais guerras e conflitos adicionados ao panorama mundial.
Mesmo que estes assuntos não nos toquem directamente, quando estamos constantemente expostos a estas notícias, a carga emocional e mental pode-se tornar insuportável.
Quando o nosso sistema nervoso, já habitualmente sobrecarregado pelo ritmo alucinante de vida que levamos, ainda é constantemente bombardeado com estas notícias, pode entrar em estados de ansiedade alarmantes ou colapsar numa desconexão profunda.
Estes deviam ser sinais suficientes para o tentar reequilibrar e/ou pedir ajuda.
Mas infelizmente, na nossa sociedade consumista, abundam “soluções” para nos anestesiar e distrair desta desregulação tão comum. Escapes fugazes que neste panorama se tornam ainda mais viciantes. Seja alimentos processados, ver séries em loop, o álcool, as redes sociais, há escolha para todo o tipo de cérebros e seres humanos.
É como ter um carro com falta de óleo e com o motor prestes a gripar e decidir investir num sistema de som e num perfume para esconder os ruídos e odor. Até o carro avariar de vez.
Então como podemos viver em sociedade sem colapsar?
A resposta está num trabalho diário de auto-regulação. Gerir o nosso estado interno e fazer uma limpeza diária com práticas adaptadas.
Assim como precisamos de fazer a nossa higiene diária e limpar a casa regularmente, também o nosso sistema nervoso precisa de ser reequilibrado e limpo com regularidade.
E isto não é fácil. Não só porque na generalidade, não fomos ensinados a gerir as nossas emoções e as flutuações do nosso sistema nervoso enquanto crianças (pelo contrário fomos incentivados a ignorar e a camuflar), por outro, como já referido, temos um mundo recheado de distrações.
Não há receitas mágicas, é preciso criar disciplina e descobrir a coragem para nos escolher-mos todos os dias. Investir uns minutos do nosso tempo para fazer uma prática, por mais curta que seja, que nos permita re-equilibrar o nosso estado interno.
Quando nos permitimos ser uma prioridade na nossa vida, encontramos sempre um caminho – e esse terás de ser tu a encontrar. E eu sei que tu és capaz!
Um sistema nervoso que está agitado e ansioso tem de voltar a relaxar e a encontrar segurança no corpo e na alma.
Um sistema nervoso que está entorpecido e depressivo tem de voltar a enfrentar a agitação e assoberbamento que o levou à dormência, libertar essa energia e então retornar ao relaxamento e calma.
Uma prática diária aumenta a resiliência do sistema nervoso ao exterior diminuindo o ruído da mente. Isto permite-nos reconectar com o nosso coração, a nossa essência. E esta reconexão permite-nos confiar em nós próprios e diminuir a susceptibilidade – sem nos tornar imunes- às flutuações exteriores e navegá-las de uma forma mais suave e saudável.
Como manter uma rotina diária?
Uma prática diária de autocuidado pode ser difícil de manter. Na minha experiência e naquilo que observo com os meus clientes, o segredo está na:
- Diversidade: Experimenta várias ferramentas e descobre as que têm um maior impacto em ti.
- Adaptação: Adapta a tua rotina conforme aquilo que precisas. Se o teu corpo está agitado (ex: raiva), talvez não seja sensato sentares-te a meditar. Uma meditação activa como dança livre ou uma caminhada podem ser mais adequadas.
- Disciplina: A resistência à rotina vai surgir. Nesses dias podes optar por uma prática mais gentil, mas ainda assim questionar – de onde vem esta resistência? O que posso aprender com ela? O mais importante é não desistir nem te martirizares, caso não a faças um dia. Retoma a tua rotina no dia seguinte.
Também podes desafiar um amigo a fazer estas rotinas contigo e a partilhar os desafios e descobertas. É sempre mais fácil quando temos companhia!
Que técnicas devo usar?
Hoje em dia há modalidades de auto-cuidado em abundância e para todos os gostos!
Hoje venho falar-te de duas ferramentas que mudaram a minha vida: A respiração e a somática.
Respiração
A respiração é a única ferramenta do nosso corpo que pode ser controlada voluntariamente (cortex pré-frontal) e involuntariamente (tronco cerebral). Ou seja, eu posso alterar a minha respiração e fazer algo específico com ela. Mas se parar, o meu corpo continua a respirar sozinho.
As implicações deste “pormenor” são muito relevantes. Isto porque podemos, através da respiração, controlar indiretamente sistemas aos quais não temos um acesso consciente – o bater do coração, o nosso sistema imunitário e digestivo entre outras funções inconscientes.
A respiração também está conectada com o nosso sistema límbico, responsável pelas emoções e comportamento social. Não só é uma porta aberta ao subconsciente e a estados de consciência alterados como também é uma ferramenta essencial na gestão de emoções.
Não é ao acaso que a respiração é o denominador comum a tantas práticas como yoga, hipnose e mindfulness, entre outras.
Isto significa que a partir da minha respiração eu posso controlar a minha resposta ao stress.
Quando estamos mais ansiosos – em activação simpática – os músculos tensionam, o ritmo cardíaco aumenta para trazer mais sangue aos músculos e a respiração fica mais rápida e superficial para libertar mais dióxido de carbono. O corpo entende que há uma prioridade/ameaça e que tem de se defender ou fugir.
Podemos alterar a respiração conscientemente, tornando-a mais lenta e profunda (diafragmática). Esta alteração envia um sinal para o corpo que nos permite relaxar – os músculos relaxam, o ritmo cardíaco baixa e preparamo-nos para digerir – o sistema nervoso parassimpático – responsável pelo relaxamento, socialização e digestão, é activado.
A respiração é a ferramenta mais importante na regulação do nosso sistema nervoso e pode-nos ajudar a ultrapassar e a processar grandes desafios e até a gerir a dor.
Experimenta as seguintes técnicas e tenta introduzir aquilo que faz mais sentido para ti numa rotina:
1. Respiração de relaxamento
Para criar algum relaxamento e activar o teu sistema nervoso parassimpático, esta técnica requer que a expiração tenha o dobro da duração da inspiração. Recomendo que faças uma inspiração pelo nariz durante 4 contagens e uma expiração pela boca (como se estivesses a soprar por uma palhinha) durante 8 contagens.
Se for desafiante podes baixar para 3:6 ou até 2:4 e ir incrementando com o tempo. Faz este exercício durante 5-10 minutos diários, nas alturas em que te sentires mais agitada/o.
2. Respiração coerente com activação vocal
Este tipo de respiração permite aumentar a variabilidade da frequência cardíaca que é um indicador dum coração saudável. O uso da voz permite uma activação imediata do nervo vago ventral responsável pelo relaxamento profundo do corpo.
Nesta respiração vamos inspirar e expirar pelo nariz com o mesmo número de contagens. Inspira e expira por 5 contagens cada (se for muito desafiante começa com 3:3 ou menos). Se possível, liberta um som tipo “hummmm” durante a expiração sentindo o efeito da vibração no teu corpo. Faz este exercício logo pela manhã durante 5-10 minutos diários.
3. Técnica SOS - Suspiro fisiológico
Descoberta nos anos 30, de acordo com a literatura científica mais recente, é a prática mais eficaz e rápida na regulação de picos agudos de stress e ansiedade.
Para tal, faz uma inspiração profunda pelo nariz para encher toda a cavidade torácica e barriga de ar. Quando achares que não dá para inspirar mais, sustém por um instante e depois faz mais uma inspiração final pelo nariz enchendo os pulmões até à capacidade máxima. De seguida, expira, soprando o ar lentamente pela boca como quem sopra por uma palhinha.
Experimenta fazer isto durante durante um pico de ansiedade ou stress agudo trazendo a atenção dos pensamentos para o corpo. Também a podes usar como uma rotina de 5-10min todos os dias.
Prática somática
A prática somática foca-se na percepção física interna do corpo como o local de cura e terapia em vez da mente isolada. Para mim isto foi e é essencial porque a terapia falada e focada apenas na mente é insuficiente.
Quase todos nós temos mentes bem ruidosas e activas… É preciso ter em atenção que a mente esquece e distorce eventos conforme aquilo que assegura a nossa sobrevivência. A nossa realidade é relativa e depende da história que contamos a nós próprios todos os dias.
Por outro lado, apenas 5% da nossa actividade diária é dirigida pela mente consciente. 95% é controlada pelo nosso inconsciente, pelo que, muitas vezes, as terapias focadas unicamente na mente são ineficazes. E chegar ao subconsciente desta forma pode ser extremamente moroso e difícil.
Já o corpo é, na maioria das vezes, mais silencioso e subtil. Não esquece e não distorce. Todos os efeitos de eventos traumáticos, desde a gestação/ nascimento até ao dia de hoje, e emoções não acolhidas e enterradas ficam gravadas no corpo. Seja sob forma de tensões específicas, dores e até, em estados mais graves, doenças de origem psicossomática.
A terapia somática, focada no corpo e menos na narrativa, permite libertar e transformar os impactos de traumas – adaptações físicas e mentais disfuncionais. Deixamos de repetir padrões que nos afectam negativamente e ganhamos perspectivas mais saudáveis para a nossa vida.
A terapia somática deve ser feita com um terapeuta mas há ferramentas que podes implementar sozinho/a para aumentar a conexão com o corpo e processar emoções desafiantes:
Prática diária de reconexão corporal
Durante a prática diária de respiração, observa o teu corpo. Observa as sensações mais subtis. As tensões, formigueiros, diferenças de temperatura, dores e pressão. Há alguma emoção por trás dessas sensações? Começa a observar as flutuações que ocorrem nas sensações durante a tua prática.
Foca-te numa sensação de cada vez. Tem alguma cor? Ritmo? Imagem? É quente ou fria? Como evolui? O que te faz sentir?
Se isto é muito desafiante porque não sentes o teu corpo, então esta rotina é ainda mais importante! Usa a respiração para acalmar a mente e vai continuando a tentar.
Mapa corporal das emoções
Num pequeno caderno ou no telemóvel, cria uma página para diferentes emoções/estados (tristeza, alegria, raiva, stress, etc) No dia-a-dia, cada vez que sentires uma emoção específica, pára e observa como ela se traduz no corpo. Toma nota de todas as sensações e flutuações ao nível do corpo.
Esta prática vai-te permitir um maior auto-conhecimento e o processamento de emoções de uma forma mais produtiva. Também permite-te detectar o teu estado emocional antes dele te dominar e dá-te tempo para atenderes a essa emoção de forma saudável e cuidares de ti.
Toque para auto-regulação
Uma das últimas práticas que te deixo são alguns toques que podes usar para acalmar o teu sistema nervoso e corpo. Se estiveres muito ansioso/a, experimenta dar-te um abraço, colocando uma mão de baixo da axila oposta e a outra no ombro oposto. E repete “Estou seguro/a”.
Na tristeza, experimenta massajar o coração com uma ou as duas mãos enquanto repetes para ti “permito-me sentir esta tristeza/dor, estou presente”
Se sentires apenas a tua mente ruidosa e desconexão corporal, vai oferecendo pequenos apertos suaves nos pés, pernas, barriga e todas as zonas do corpo repetindo “É seguro sentir, posso voltar ao corpo”.
Atenção, estas técnicas são muito úteis e eficazes para ajudar a regular o sistema nervoso diariamente. No entanto, não substituem a terapia. Se estás a passar por um momento demasiado difícil para gerir sozinho/a, não hesites em pedir ajuda de quem te possa guiar.
Para aprenderes mais sobre como a respiração e a somática te podem ajudar a regular o teu sistema nervoso, o RESET é um curso online que te vai permitir criar rotinas adaptadas a ti e explorar técnicas eficazes para saber gerir melhor o stress: https://ins-prana.thinkific.com/courses/reset
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One comment
Maria Moreno
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